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Abismo

“O homem é uma corda […] – uma corda sobre um abismo.” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, 2011, p. 16)

Biográfica, linguística, intercultural, a noção de abismo de Vilém Flusser abrange pelo menos três importantes realidades existenciais ou atmosferas. Começa ao se deparar com o abismo no momento em que Praga foi ocupada pelos nazistas. A “catástrofe tcheca”, como Flus- ser descreveu em sua autobiografia Bodenlos [Falta de Fundamento] (2010, p. 28), levou a uma divisão de identidades e lealdades: um abismo entre ele e seus amigos alemães, assim como seus amigos tchecos. Apenas seu “componente” judeu permaneceu, uma trifurcação um tanto quanto desconfortável e forçada naquela época e posteriormente. Um íntimo abismo linguístico tornou-se essencial para a teoria da tradução de Flusser: o ato repetitivo, obsessivo e catár- tico de pular sobre um abismo, entre línguas e atmosferas culturais, semelhante a “jogar com a morte” (Guldin, Philosophieren zwischen den Sprachen, 2005, p. 39; traduzido do alemão). O próprio Flusser definiu o abismo como algo negativo, como a não existência de fundo. “Você já teve alguma experiência com o abismo?Você mergulha na palavra, por assim dizer.” (“Ham- burg 1990”, entrevista a Hans-Joachim Lenger, in: Zwiegespräche, 1996, p. 150; traduzido do alemão)

O criador, o autor, o tradutor também mergulha no texto na medida em que Flusser se debruça nas noções expressas pelo termo hebraico pilpul [judeus assimilados] (ver dois ensaios de Flusser, ambos intitulados “Pilpul”, in: Jude sein, 1995) para se aproximar do significado ou da possível verdade de um texto analisando-o a partir de diferentes perspectivas. Essa aproximação também informou sua compreensão de um abismo intercultural – entre indivíduos, entre culturas, entre epistemologias – descrito mais radicalmente em Vampyroteuthis Infernalis (2011). Por um lado, refletindo os universos do ser humano e do Vampyroteuthis, Flusser afirma que “trata-se de dois conceitos diferentes de cultura” (Vampyroteuthis Infernalis, 2011, p. 71). Por outro lado, Flusser imediatamente faz “convite a viagem ad inferos: Acheronta movebo” (ibid., p. 77).

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